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‘Trabalho também é lugar onde se combate a violência doméstica’

Evento no Tribunal Superior do Trabalho discutiu formas de combate e prevenção à violência doméstica por meio de ações no ambiente de trabalho, com destaque para cláusulas em acordos coletivos de trabalho

Há pouco mais de um mês, sindicato e empresa firmaram no Brasil o primeiro acordo coletivo de abrangência nacional contendo cláusula específica para amparo a vítimas de violência doméstica. Entre outras medidas, a cláusula do acordo entre o Sindicato Nacional dos Aeroportuários (SINA) e a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) previu a concessão de licença remunerada de até 15 dias para empregadas vítimas de violência doméstica. Veja aqui a íntegra do dispositivo.

A ideia, no entanto, não é nova e seguiu iniciativas semelhantes de sindicatos do Canadá, da Nova Zelândia, do Reino Unido e da Austrália trazidas pela direção do sindicato para o acordo, que foi mediado pela Justiça do Trabalho no ano passado e assinado em dezembro.

Uma das referências utilizadas, o sindicato canadense Unifor, é o maior sindicato privado do país e representa 315 mil membros de diversos setores da economia. A diretora do departamento feminino da entidade, Lisa Kelly, foi a convidada internacional para discutir o tema em reunião com presidentes e corregedores das Cortes trabalhistas brasileiras, em Brasília, nesta quarta-feira, 5/2. Também participaram do painel de discussão o vice-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Renato de Lacerda e a diretora de formação do Sindicato Nacional dos Aeroportuários Mara Amaro.

Ao dar abertura ao painel, o ministro Renato de Lacerda refletiu sobre as mudanças recentes da negociação coletiva, comentando que o interesse das categorias tem mudado em prol das cláusulas sociais e não somente de questões salariais, seguindo-se uma tendência de se buscar, nestes dispositivos, assegurar os direitos fundamentais.

Ao assumir a palavra, a canadense Lisa Kelly dividiu experiências internacionais de prevenção, combate e enfrentamento da violência doméstica por meio de medidas adotadas por empregadores e sindicatos. A diretora enfatizou a importância do ambiente de trabalho na prevenção do problema. “O empregador pode dizer ‘é um problema seu’, mas nós sabemos o quanto a violência doméstica impacta no local de trabalho, acontece no local de trabalho e pode ser resolvido no local de trabalho”, explicou.

Para reforçar o argumento de que o trabalho também é local onde se deve combater a violência doméstica, Lisa Kelly contou alguns casos reais que provocaram mudanças na legislação canadense. Um desses casos é o da enfermeira Lori Dupont, que iniciou um relacionamento com um médico no hospital onde trabalhava e quando terminou o relacionamento, passou a ser assediada e perseguida dentro e fora do trabalho pelo então ex-namorado. Segundo conta Kelly, o empregador teve ciência do assédio mas achou que não tinha que se envolver, que era um assunto do ex-casal. “E um dia o médico assassinou Lori no hospital, na frente de seus colegas de trabalho”, disse Kelly, narrando que um especialista analisou posteriormente o caso e identificou 16 fatores de risco que previam o homicídio, bem como “inúmeras oportunidades de intervenção que foram perdidas no ambiente de trabalho para impedir o assassinato”.

Dentre as mudanças que ocorreram na legislação, segundo Kelly, está a previsão obrigatória da licença remunerada em 90% da jurisdição do Canadá para as vítimas de violência doméstica. Prevendo uma possível preocupação por parte das empresas, Kelly contou que em determinada companhia com 10 mil empregadas, apenas 22 alegaram essa situação de violência doméstica e que nunca nenhum empregador reclamou que a cláusula é um fardo. Ela informa, ainda, que existe a obrigação dos empregadores no país em identificar, avaliar e controlar os perigos de violência contra a mulher, dentre outras medidas, e citou que várias dessas recomendações já estão presentes em normativos da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

Após a fala de Kelly, a diretora de formação do SINA, Mara Tavares Amaro, expôs alguns preocupantes dados estatísticos de violência contra a mulher no Brasil e relatou os diversos treinamentos e estudos realizados pelo sindicato por meio do ITF, Federação Internacional dos Trabalhadores em Transportes, que apoia 670 sindicatos em 147 países, dentre eles o SINA e a Unifor. Mara contou que a primeira experiência brasileira com a previsão de cláusula contra violência doméstica foi implementada em acordo coletivo com a concessionária Rio-Galeão. Já a mencionada cláusula do acordo coletivo com a Infraero foi a primeira a vigorar em âmbito nacional.

O presidente do Tribunal Regional do Trabalho de Goiás e presidente do Colégio de Presidentes e Corregedores de TRTs, desembargador Paulo Pimenta, ao realizar o encerramento do evento, elogiou o enfrentamento dado ao problema da violência contra a mulher por meio das cláusulas sociais nos acordos coletivos, algumas das quais firmadas sob mediação da Justiça do Trabalho. “Que possamos nos espelhar nessas soluções, campanhas e projetos”, frisou o desembargador, agradecendo aos que acompanharam a palestra presencialmente e virtualmente. A palestra foi transmitida ao vivo pelo canal do CSJT no youtube.

Lídia Barros
Imprensa/Coleprecor